Há possibilidade de ressarcimento e/ou compensação de danos em caso de violação dos deveres matrimoniais?

O objetivo do post de hoje é trazer uma pesquisa de cunho teórico e crítico quanto as sanções predispostas no Direito Brasileiro são suficientes para solucionar satisfatoriamente os conflitos decorrentes da violação dos deveres conjugais, da ruptura do vínculo ou da ocorrência de atos ilícitos comuns.

Antecipa-se que a responsabilidade civil entre cônjuges e companheiros é temática de árdua compreensão e reveste-se de relevância social, pois o percentual de extinção dos laços matrimoniais é crescente nas últimas décadas, da mesma forma que a violação dos deveres conjugais e os danos causados por um companheiro ao outro.

Além disso, adianta-se que o assunto não está totalmente sedimentado no país, tornando o terreno fértil para críticas e reflexões.

Direitos matrimoniais de acordo com o Código Civil:

De acordo com o artigo 1.566 do Código Civil, ambos os cônjuges têm o dever de fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos.

O direito de família e a responsabilidade civil:

O direito de família, além de concentrar uma série de deveres pessoais entre os integrantes, também envolve aspectos patrimoniais. Contudo, verifica-se que a evolução da responsabilidade civil na sociedade contemporânea deixa de lado direitos subjetivos patrimoniais em prol da dignidade da pessoa humana, de modo a priorizar os interesses existenciais, e assegurar às vítimas a possibilidade de pleitear a reparação integral.

Há a possibilidade de aplicação das regras gerais da responsabilidade civil ao domínio da relação matrimonial e convivencial. Ademais, os remédios específicos do direito de família, como o divórcio e a pensão alimentícia, são insuficientes para dispensar uma tutela adequada aos integrantes da família. Desse modo, procede-se à análise separada das seguintes situações: responsabilidade civil por atos ilícitos comuns, por ruptura da relação e por atos ilícitos matrimoniais.

Da responsabilidade civil por atos ilícitos comuns:

Quando a violação de um dever geral de conduta ocorre no círculo familiar ou quando um consorte descumpre contrato validamente celebrado com o outro, o dano deve ser reparado ou compensado.

É o que ocorre no caso de lesões físicas, cujo ato é repreendido independentemente de quem o pratica e de quem o sofre. Em tal situação incidem os arts. 186 e 927 do Código Civil e, demonstrada a culpa, o infrator estará sujeito a indenizar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes das agressões.[1]

Ressalta-se que, antes de ser membro de uma família, cada um dos cônjuges é pessoa, sujeito de direitos e não pode sofrer limitação nas suas prerrogativas fundamentais. As normas que tutelam a pessoa devem incidir no círculo familiar sem qualquer obstáculo.

Desse modo, se constatados danos morais ou materiais suportados por um cônjuge em decorrência da ação do outro, se os atos cometidos lesarem direitos da personalidade, nada há que diferenciar da responsabilidade civil comum.

Oportuno mencionar que, quando se tratar de violência doméstica e familiar contra a mulher, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial a Lei nº 11.340, de 7.8.2006, conhecida como Lei Maria da Penha, deverá ser aplicada em conjunto com as regras da responsabilidade civil.

Após pesquisas às páginas dos tribunais é possível constatar inúmeras formas de violência praticadas contra a mulher no contexto doméstico e familiar, como, por exemplo, tentativa de morte[2], agressão física e ameaça[3], tentativa de lesão corporal[4], injúria[5], invasão de domicílio[6], importunação sexual[7], ofensa à honra[8] e tantas outras.

Com o intuito de facilitar a reparação de danos, o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no seguinte sentido:

Tema nº. 983: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.

Em outras palavras, possibilita à ofendida a reparação cível (dano moral) por meio de sentença penal condenatório.

Mas, o que isso significa na prática? Sem dúvidas, traz agilidade ao compensar os prejuízos morais suportados pela vítima da violência doméstica e familiar.

Enfim, em se tratando de atos ilícitos comuns, inquestionável a possibilidade de indenização entre os cônjuges ou entre os companheiros. Quando presente violência doméstica e familiar, aplica-se a Lei Maria da Penha.

Da responsabilidade civil por ruptura do casamento:

A dissolução do vínculo mediante o instituto do divórcio é o caminho prescrito pelo Código Civil e não caracteriza ato ilícito. O casamento não corresponde mais à posição de estabilidade e de ligação perpétua que outrora ocupou. É baseado no afeto, na vontade dos envolvidos de permanecerem unidos. Se tal vontade desaparece, a solução é a separação ou o divórcio.

Ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar. O fim do matrimônio traz sofrimento: o desamor, a solidão, a frustração da expectativa de vida. Porém, se a dor e a frustração não são queridas, são ao menos previsíveis, lícitas e, portanto, não indenizáveis.

É o posicionamento da jurisprudência que, acertadamente, se orienta no sentido de rejeitar os pedidos de indenização por ruptura do vínculo conjugal.[9] O contrário, talvez resultaria na proliferação de demandas que aumentariam os conflitos familiares, monetarizando as relações afetivas.

Da responsabilidade civil por atos ilícitos matrimoniais:

No Brasil, o casamento é relação jurídica que origina deveres pessoais e patrimoniais, impostos por lei para ambos os cônjuges. Posteriormente, quando se tornar inviável a vida em comum, o Código Civil possibilita ferramentas (como o divórcio).

A infração dos deveres conjugais não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do companheiro, haja vista o princípio da liberdade do cônjuge que deseja o divórcio.

Contudo, isso não significa vedar totalmente o direito à indenização. Se o inadimplemento do dever conjugal é caracterizado como ato ilícito comum ou vem acompanhado deste, haverá responsabilidade. Como, por exemplo, o incumprimento do dever é seguido de violência física ou moral, de humilhação diante de terceiros ou dos filhos, a infidelidade resulta em transmissão de moléstia grave e incurável.

A jurisprudência caminha no sentido de que a violação dos deveres impostos pelo casamento, por si só, não é capaz de provocar lesão à honra e ensejar a reparação por dano moral.

No TJSP, por exemplo, prevalece o entendimento de que, embora a infidelidade configure descumprimento de dever conjugal, não pressupõe ato ilícito.[10]

O STJ concedeu indenização por descumprimento do dever de fidelidade e omissão da verdadeira paternidade biológica de filho nascido na constância do casamento.[11] Quanto ao cúmplice do cônjuge infiel, entendeu o Tribunal que não há ato ilícito por inexistir o dever de fidelidade.[12]

Conclusão:

Desta forma, conclui-se que o ressarcimento está condicionado à comprovação dos pressupostos da responsabilidade civil.

Quando há ato ilícito comum, não há grandes divergências, admitindo-se o ressarcimento de danos. No tocante à ruptura do casamento, não há amparo legal para o pleito indenizatório. Ao contrário, a regulamentação do divórcio e da separação pelo legislador respalda a plena liberdade de entrar e sair de uma relação matrimonial, sem que seu comportamento configure ato ilícito.

A exemplo do divórcio, deve-se respeitar a autonomia individual da pessoa em não permanecer no relacionamento, não gerando, por si só, o dever indenizatório.

Deste modo, quando do cometimento de atos ilícitos comuns, inquestionável a possibilidade de indenização entre os cônjuges ou entre os companheiros e se presente violência doméstica e familiar, aplica-se a Lei Maria da Penha.

[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 118.

[2] TJSP. Habeas Corpus Criminal nº 0001324-30.2020.8.26.0000. Rel. Marcelo Gordo, 13ª Câmara de Direito Criminal; Foro de São Carlos – 3ª Vara Criminal, j. 20.2.2020, registro: 21.2.2020.

[3] TJSP. Apelação Cível nº 1042003-85.2016.8.26.0100. Rel. Vito Guglielmi, 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 4ª Vara da Família e Sucessões, j. 16.9.2019, registro: 16.9.2019.

[4] TJPR – 1ª Câmara. Criminal – 0016350-10.2017.8.16.0014 – Londrina. Rel. Juiz Naor R. de Macedo Neto, j. 21.11.2019, publicação 10.12.2019.

[5] TJSP. Habeas Corpus Criminal nº 2007466-16.2020.8.26.0000. Rel. Paulo Rossi, 12ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Cachoeira Paulista – 1ª Vara, j. 19.2.2020, registro: 19.2.2020.

[6] TJSP. Apelação Criminal nº 0001624-65.2016.8.26.0506. Rel. Reinaldo Cintra, 7ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Ribeirão Preto – Anexo de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, j. 5.2.2020, registro: 8.2.2020.

[7] TJSP. Apelação Criminal nº 1501648-58.2018.8.26.0050. Rel. Roberto Porto, 4ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda – 25ª Vara Criminal, j. 12.11.2019, registro: 13.11.2019.

[8] TJSP. Apelação Cível nº 0006059-28.2014.8.26.0288. Rel. Mônica de Carvalho, 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ituverava – 2ª Vara, j. 8.4.2019, registro: 8.4.2019.

[9] “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DANOS MORAIS. EX-CÔNJUGES. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO CONFIRMADA. Caracterizando o sofrimento de abandono e a tristeza da autora pela ruptura do casamento, sentimentos inarredáveis e naturais que qualquer separação ocasiona, dito ‘dano’ não caracteriza dever de indenizar vez que tais conseqüências são incitas ao rompimento da relação, sem constituir ilícito indenizável. APELAÇÃO DESPROVIDA” (TJ/RS. Apelação Cível nº 70043668789, Sétima Câmara Cível. Rel. André Luiz Planella Villarinho, j. 14.12.2011, publicado em 16.12.2011).

[10] “Infidelidade conjugal Conduta que por si só, não caracteriza dano moral indenizável – Necessária a demonstração da ocorrência de gravíssima humilhação ou desastrosa consequência – Improcedência bem decretada – Prejudicial afastada – Inexistência de cerceamento de provas, pelo julgamento antecipado da lide No sistema de persuasão racional não está o magistrado obrigado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos – Sentença mantida – Recurso desprovido” (TJSP. Ap. nº 1003268-54.2017.8.26.0356, 15.5.2019).

[11] “Recurso Especial. Direito Civil e Processual. Danos materiais e morais. Alimentos. Irrepetibilidade. Descumprimento do dever de fidelidade. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica de filho nascido na constância do casamento. Dor moral configurada. Redução do valor indenizatório” (REsp nº 922.462/SP. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 4.4.2013. DJe, 13 maio 2013).

[12] “Embargos de Declaração no Recurso Especial. Caráter infringente incompatível com a via integrativa. Direito Civil e Processual. Família. Danos materiais e morais. Alimentos. Irrepetibilidade. Descumprimento do dever de fidelidade. Imputação ao cúmplice da traição. Impossibilidade. Indenização. Juros moratórios. Percentual” (EDcl no REsp nº 922.462/SP. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 8.4.2014. DJe, 14 abr. 2014).