O cancelamento e o atraso de voo por parte da companhia aérea, quando resultam em danos ao consumidor, geram a obrigação de indenizar pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais suportados.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendia, até o ano de 2018, pela presunção do dano moral nesses casos. Desse modo, não se fazia necessária a prova de que houve abalo anímico suficiente para que houvesse a obrigação de indenizar os danos morais, uma vez que eram presumidos diante do atraso ou ainda do cancelamento do voo pelo fornecedor (empresa aérea). Ou seja, bastava que o consumidor comprovasse que o voo foi atrasado ou cancelado, e já se tornava possível uma indenização por danos morais.

No entanto, em novembro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela não presunção do dano moral nesses casos.

Mas isso não significa que o consumidor lesado não tenha direito a pedir uma indenização, apenas deve fundamentá-la de forma correta!

Exemplo disso foi no Recurso Especial n. 1.584.465 e repetida no Recurso Especial 1796716/MG, ambos de Relatoria da Nancy Andrighi, em que ficou decidido que o dano moral não se presume, mas deve ser comprovado com algumas particularidades, tais como:

  1. a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso;
  2. se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros;
  3. se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião;
  4. se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável;
  5. se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.

Diante da manifestação do STJ a respeito do assunto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem acompanhado esse entendimento. Desde então o TJSC não reconhece o dano moral in re ipsa (presumido), vejamos:

Quanto ao dano, tem-se que “na específica hipótese de atraso ou cancelamento de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro. Isso porque vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida

(TJSC, Apelação Cível n. 0302750-88.2017.8.24.0024, de Fraiburgo, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 20-08-2020).

Portanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem entendido que para configuração do dano moral nos casos de atraso e cancelamento de voo devem ser comprovadas as situações descritas no julgado do STJ, anteriormente exposto. Por outro lado, se comprovado alguma das hipóteses previstas, deverá a companhia aérea ressarcir o consumidor não só pelos danos patrimoniais sofridos, bem como aqueles que abrangem a esfera extrapatrimonial.

Qual o valor das condenações?

Como sempre: “depende”. Realizamos um estudo nos julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina para entender como está sendo o comportamento do Poder Judiciário após essas alterações de entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Separamos dois julgados em cada Câmara para demonstrar, de maneira didática, os valores médios de condenação.

Importante lembrar que cada caso possui sua peculiaridade e a razão para minorar ou aumentar o valor da condenação, depende do efetivo dano sofrido pelo consumidor. Vejamos:

Câmara Julgadora Nº do processo Ano
R$ 5.000,00 Primeira Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2016.8.24.0023 2020
R$ 5.000,00 (majorou de 3 mil) Primeira Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2017.8.24.0023 2020
R$ 10.000 (minorou de 15 mil) Segunda Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2019.8.24.0022 2020
R$ 5.000 (minorou de 10 mil) Segunda Câmara de Direito Civil  xxxxxxx-xx.2018.8.24.0023 2020
R$ 5.000,00 Terceira Câmara de Direito Civil  xxxxxxx-xx.2017.8.24.0075 2020
R$ 10.000,00 (minorou de 15 mil) Terceira Câmara de Direito Civil  xxxxxxx-xx.2018.8.24.0005 2019
R$ 3.000,00 (minorou de 10 mil) Quarta Câmara de Direito Civil  xxxxxxx-xx.2018.8.24.0023 2020
R$ 10.000,00 (minorou de 15 mil) Quarta Câmara de Direito Civil  xxxxxxx-xx.2017.8.24.0020 2018
R$ 3.000,00 (não majorou) Quinta Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2019.8.24.0090 2020
R$ 5.000,00 Quinta Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2019.8.24.0079 2020
R$ 5.000,00 (minorou de 15 mil) Quinta Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2016.8.24.0033 2019
R$ 3.000,00 (minorou de 10 mil) Sexta Câmara de Direito Civil xxxxxxx-xx.2015.8.24.0023 2019

Qualquer atraso é passível de indenização?

Não. O Tribunal entende que o dano extrapatrimonial não é configurado apenas pelo atraso do voo. Para a concepção do dano moral faz-se necessário, além daqueles requisitos mencionados, o atraso de, no mínimo, 4 (quatro) horas, sem a devida prestação assistencial por parte da companhia aérea.

Essa prestação assistencial, prevista na a Resolução n. 400 de 2016, consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas.

Se o atraso for superior a 1 (uma) hora, deve ser oferecido facilidades de comunicação (caso o passageiro não tenha telefone celular, internet, etc);

Se superior a 2 (duas) horas, deve ser oferecida alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e

Mas, se o atraso for superior a 4 (quatro) horas a empresa deve garantir serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta.

Muito comum também são os casos em que, por conta do atraso, o consumidor perdeu algum evento importante como reunião, casamento, até mesmo velório. Como, por exemplo, no processo n. 0308661-59.2014.8.24.0033 em que o consumidor não conseguiu comparecer ao Instituto de Análises Laboratoriais onde iria realizar a coleta de material hematológico, exame que serve como principal meio de prova e a ausência do autor poderia gerar presunção de paternidade. Naquela ocasião, o magistrado condenou a empresa ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o que foi confirmado posteriormente pelo Tribunal de Justiça.

O princípio da segurança jurídica significa que a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito e é com base nele que o Tribunal catarinense mudou o seu entendimento e passou a considerar, com amparo na decisão pacificada do STJ, que o dano moral, em casos de atraso ou cancelamento de voo, não é mais presumido.

Como a empresa pode se defender?

Se por um lado cabe ao consumidor comprovar o dano moral sofrido, por outro, cabe à empresa aérea comprovar uma “excludente de ilicitude”/excludente de responsabilidade, para se eximir do dever de indenizar caso pretenda retirar sua responsabilidade e o dever de indenizar.

As excludentes de causalidade são: culpa ou fato exclusivo da vítima; culpa ou fato exclusivo de terceiro; caso fortuito e força maior.

A culpa ou fato exclusivo da vítima ocorre quando o evento danoso é provocado única e exclusivamente pelo próprio prejudicado, não havendo qualquer nexo entre a conduta do fornecedor com o dano causado à vítima. Já a culpa ou fato exclusivo de terceiro é quando o dano é provocado por um terceiro, não havendo também a relação de nexo causal entre fornecedor e consumidor.

O caso fortuito é quando ocorre evento imprevisível, como por exemplo uma tempestade ou condições meteorológicas que representam algum risco à viagem. Importante destacar que o fortuito interno, como por exemplo a manutenção da aeronave, não exclui a responsabilidade já que configura risco da atividade gerando a falha na prestação de serviços.

A força maior também é uma das causas de excludente de responsabilidade, configurada através de um evento que pode ser previsto, porém é inevitável. Assim, diante de qualquer dos casos expostos acima, exclui-se a responsabilidade da empresa pelo evento danoso e consequentemente o dever de indenizar.

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